
Em meio às terras do Cerrado brasileiro, uma iniciativa bem-sucedida de conservação despontou como esperança para um representante icônico da fauna local. Iniciado em 2020, o Projeto de Reabilitação e Soltura do Lobo-Guará está em sua segunda edição, contabilizando a soltura de três lobos-guarás, espécie ameaçada de extinção no Brasil.
Realizado em parceria com o Parque Vida Cerrado, no município de Barreiras (BA), o projeto tem patrocínio da Sementes Oilema desde o início, e apoio das empresas Irmãos Gatto Agro, Grupo Agro Santa Carmem e Galvani Fertilizantes, além da parceria do Instituto Pró-Carnívoros, com transferência em expertise, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ICMBio/CENAP, UNB e Inema.
Criado para acolher, reabilitar e soltar filhotes órfãos de lobos-guarás, o projeto busca reunir informações para também desenvolver um protocolo de reabilitação e soltura desses animais, que passam por um treinamento de caça e defesa para se readaptarem ao ambiente natural. Esta etapa é realizada em um recinto de reabilitação imerso no habitat natural dos animais, o Cerrado.
Para a soltura, eles são equipados com colares de GPS/VHS para monitorar seu deslocamento diário. Esse protocolo, que está sendo construído pelo Parque Vida Cerrado em colaboração com o ICMBio e outras iniciativas em Brasília e São Paulo, desempenha um papel crucial na conservação da espécie, não apenas para os lobos-guarás, mas também para outros animais silvestres.
A primeira edição contemplou dois animais, Baru e Caliandra, e foi considerada um sucesso. O projeto teve continuidade, em 2023, com a chegada da fêmea Jurema ao recinto de adaptação. Ao longo dos anos, a iniciativa se tornou uma referência em práticas sustentáveis de manejo e conservação dos lobos-guarás. O objetivo é continuar desenvolvendo o protocolo para reabilitação e soltura dos animais, além de reduzir o número de exemplares destinados à manutenção em instituições mantenedoras de fauna ou zoológicos.
Além das atividades desenvolvidas com os animais, o projeto também desenvolve uma frente robusta de educomunicação, envolvendo fazendas e comunidades dos entornos das áreas de soltura para a sensibilização das pessoas em defesa dos animais.
Monitoramento da fauna
O ponto de partida do projeto foi a realização de um trabalho meticuloso de monitoramento de fauna na fazenda dos Irmãos Gatto Agro, feito com o auxílio de câmeras fotográficas estrategicamente posicionadas entre lavouras, reservas e a sede administrativa. Esse monitoramento, realizado pelo Parque Vida Cerrado, em 2020, não apenas identificou a qualidade ambiental das áreas, mas também revelou a rica biodiversidade presente nas terras dos Irmãos Gatto Agro. Mais do que isso, demonstrou a ausência de um perigo latente para o lobo-guará: a presença de cães domésticos, conhecidos por transmitir doenças fatais para essa espécie ameaçada.
A fazenda, reconhecida por suas práticas sustentáveis e comprometimento com causas ambientais, tornou-se um cenário ideal para o desenvolvimento de um projeto de reabilitação. A área, rica em diversidade de espécies e estrategicamente localizada próxima a reservas legais, oferece um corredor vital para o deslocamento da fauna.
Em 2021, a chegada de uma ninhada de cinco filhotes de lobo-guará ao ICMBio marcou um ponto estratégico para o início do projeto. Diante da escassez de vagas em instituições autorizadas para manejar essa espécie ameaçada, foi necessária a adoção de plano de ação urgente para criação dos animais. Os irmãos foram separados e o Parque Vida Cerrado foi escolhido para receber alguns exemplares. O Projeto de Reabilitação e Soltura ganhou forma e contou com a colaboração fundamental da família Gatto para disponibilização da área para as atividades e com patrocínio da Sementes Oilema para viabilização das ações.
Os resultados não tardaram a aparecer. Dois exemplares de lobos-guarás, Baru e Caliandra, protagonizaram a primeira edição do projeto. Em julho de 2021, os animais foram transferidos para o recinto de reabilitação, construído na fazenda dos Irmãos Gatto Agro, dando início à fase de pré-soltura.
Neste espaço, observou-se a evolução comportamental dos animais, com o aprendizado e aprimoramento das técnicas de captura. A soltura ocorreu gradativamente, com o recinto de adaptação servindo de referência para alimentação e abrigo, até que os pesquisadores percebessem a total independência e sucesso adaptativo da soltura, através de monitoramento com colares de GPS e transmissores de satélites, processo conhecido como soltura branda.
Em maio de 2022, Baru e Caliandra foram soltos pela equipe do Parque Vida Cerrado, no município de Barreiras (BA), na divisa da Bahia com o Tocantins, em uma área controlada. Mesmo em vida livre, os animais continuaram sendo monitorados.
Baru, proveniente da ninhada do ICMBio, desfrutou de quase seis meses de vida livre antes de um encontro fatal com uma serpente. Já Caliandra, resgatada pelo órgão ambiental estadual, mostrou-se mais arisca, porém igualmente adaptada ao seu habitat.
Caliandra teve três filhotes, no final de 2023, com o lobo-guará José Bonifácio, que também é monitorado pela equipe do Parque. Ela se tornou a primeira loba-guará reabilitada e solta a se reproduzir em vida livre. Em 2024, completou dois anos de total interação em seu habitat.
Recentemente, Caliandra foi capturada para avaliação física e clínica, coleta de material para exames laboratoriais, leitura dos dados de atividade e deslocamento do colar GPS, além da remoção do monitor cardíaco. Com 24 kg, os exames indicaram que a lobinha se mantém saudável e está pronta para se reproduzir novamente. Esse resultado é um indicativo positivo do sucesso da reintrodução e da adaptação da loba-guará ao ambiente natural.
2ª edição
Em abril de 2023, durante a oficialização da segunda edição do projeto entre a Sementes Oilema e Parque Vida Cerrado, foi a vez da fêmea de lobo-guará Jurema iniciar seu processo de adaptação na fazenda.
Durante este período, os pesquisadores acompanharam a evolução comportamental dela, com atenção especial para o aprimoramento das técnicas de captura. A soltura ocorreu no início de abril, antes, porém, o recinto de adaptação serviu de referência para alimentação e abrigo para total independência e sucesso adaptativo da vida livre.
Em 2024, Jurema passou por uma avaliação clínica, física e biométrica. A loba-guará manteve o peso e apresentou resultados satisfatórios para a equipe do Parque.
Semeador do Cerrado
A importância do lobo-guará transcende sua figura emblemática no cerrado brasileiro. Além de ser um símbolo da região, sua presença é vital para a manutenção da biodiversidade vegetal, uma vez que sua dieta baseada em frutas contribui para a dispersão de sementes. Além disso, sua predileção por pequenos roedores auxilia no controle populacional dessas espécies, garantindo o equilíbrio do ecossistema. O sucesso do Projeto de Reabilitação e Soltura do Lobo-Guará não reside apenas nos resultados tangíveis, mas na conscientização e engajamento das comunidades locais e dos parceiros envolvidos. É um exemplo de como a coexistência harmoniosa entre atividades agrícolas e conservação ambiental é não apenas possível, mas essencial para a preservação do patrimônio natural.